A inflação ainda é um problema global, que pode levar a mais aumentos dos juros, com consequências sobre o ritmo de atividade econômica. O mercado tem buscado algumas leituras mais positiva, diante da desaceleração de índices inflacionários, como nos Estados Unidos. São fases de apostas em uma amenização nos ajustes dos juros, de forma a evitar a retração dos países desenvolvidos e maiores implicações sobre os fluxos de investimento, especialmente para os emergentes e as bolsas de valores.
Se tenta uma análise mais favorável até de atas, como a do Federal Reserve, divulgada na última quarta. Mas é uma aposta ou torcida. O FED reconheceu a queda da inflação nos últimos três meses, considera a possibilidade de o movimento se manter, sem a necessidade de elevações mais pesadas das taxas, tanto que já reduziu os ajustes para 0,25 pontos. Só que ainda não vê um movimento contínuo de baixa dos preços e sinaliza a necessidade de manutenção de juros elevados até que a inflação caminhe de fato para a meta de 2%, o que ainda parece distante. Principalmente, se considerarmos a defasagem da ata em relação a índices mais recentes, que mostram vigor da atividade em alguns setores o que, assim como a robustez da recuperação do mercado de trabalho, pode dificultar a queda mais rápida da inflação. E alguns integrantes do FOMC, na última reunião ainda defenderam um ajuste de 0,50.
Na prática, o mercado tende a continuar monitorando os vários indicadores da economia, assim como falas de dirigentes do Federal Reserve, para tentar formar uma opinião mais consistente. Até lá podem seguir uma trajetória de maior volatilidade, também por influência de outros fatores, como a guerra da Ucrânia, a posição da Rússia em relação aos países ocidentais, após a quebra do último acordo nuclear com os EUA, a proximidade com a China e novas ofensivas contra a Ucrânia um ano após o início da guerra. Além disso, há dúvidas quanto a possíveis novas pressões internacionais de preços, em função da esperada retomada da economia chinesa, sem esquecer da Europa, onde as economias também vem resistindo às adversidades relacionadas ao conflito, especialmente, na área energética.
Em meio a todas essas incertezas, o Brasil segue com perspectivas desfavoráveis em relação à inflação. Tem a própria evolução dos preços, temor de corte de desonerações que possam impactar os índices e as dúvidas quanto às contas públicas. O que se espera é que o arcabouço fiscal, a ser divulgado em março, mesmo que não seja muito austero em relação aos gastos, permitindo, por exemplo, alguma flexibilização diante de eventual aumento da receita, consiga dar maior segurança quanto à responsabilidade fiscal e a redução da dívida pública.
Por enquanto, o que temos é o relatório Focus, do BC, com dez semanas consecutivas de aumento da projeção do IPCA deste ano, agora em 5,89%. A meta é 3,25% e o teto, 4,75%. Seria o terceiro ano de estouro da meta. Para o ano que vem os ajustes para cima prosseguem há cinco semanas, com a última previsão em 4,02%. E independentemente dos questionamentos quanto às metas e aos juros, as previsões são de quedas modestas da Selic, dos atuais 13,75%, para 127,5% no final deste ano e 10% no do próximo. Previsões, portanto, de manutenção de juros elevados por um bom tempo. Um arcabouço mais convincente pode melhorar essas perspectivas, assim como uma evolução mais favorável dos preços. Mas, por hora, o cenário ainda é de incertezas e pressões dos mercados, com o aspecto positivo de as taxas mais altas garantirem maior atratividade para os investimentos no País, assim como os preços baixos de algumas ações, além das que podem ser favorecidas pela possível reação da China e alta das commodities.
É possível que os questionamentos quanto aos impactos dos juros altos na atividade e no próprio controle da inflação levem a uma cautela maior dos bancos centrais na calibragem das taxas. Aqui no Brasil, não fossem as incerteza que vieram com a virada do ano e mudança de governo, os planos era de a Selic já começar a cair em junho. Nos EUA, por mais que as atas sejam duras se percebe a preocupação em não errar a dose. Não se pode esquecer que o impulso à inflação veio muito de estímulos dados às economias através de juros muito baixos e aumento da liquidez por um longo período e pelo desequilíbrio das cadeias de produção na pandemia e com a guerra da Ucrânia. A inflação mostra uma resiliência que pode não responder da forma esperada aos juros mais altos. A dosagem pode ser alta demais para produzir os resultados esperados em termos de cumprimento das metas. Temos visto nos vários países os governos tomando medidas para conter preços mais estratégicos como os de energia, que pesaram muito no avanço dos índices. Aconteceu nos Estados Unidos, na Europa e aqui no Brasil, com o corte dos tributos. As desonerações tiveram peso relevante na baixa dos índices no segundo semestre de 2022. Daí a preocupação agora com possível reversão dessas desonerações.
Os bancos centrais estão diante desse quebra cabeça, avaliando os impactos passo a passo. No Brasil, se poderia estar com cenário melhor em termos de expectativas, como ressaltei, não fossem as dúvidas quanto ao fiscal, que vêm desde as discussões da PEC da Transição, a demora no anúncio do arcabouço fiscal e vários ruídos envolvendo, inclusive, a atuação do BC. Por mais que a equipe econômica esteja se esforçando para minimizar embates e gerar mais confiança, é a história do ver para crer. Uma proposta efetivamente positiva para o arcabouço fiscal pode ajudar a acomodar bastante as expectativas domésticas, ainda que tenhamos de conviver por mais tempo com incertezas globais e as indefinições de início de governo, de um governo que aposta nos gastos para alavancar o crescimento bem mais do que o mercado gostaria. Se indicar um possível gerenciamento dos gastos que não comprometa o fiscal pode dar margem para movimentos bem mais favoráveis dos ativos.