O conglomerado chinês Evergrande (3333.HK) pode, sem exagero, ser considerado um império. É a segunda maior incorporadora chinesa. Emprega 200 mil pessoas e gera 3,8 milhões de empregos indiretos. Tem 1,3 mil condomínios residenciais em construção em 280 cidades do país asiático. Seus interesses vão da construção à exploração de parques temáticos, passando pelos bens de consumo. O grupo comprou um time de futebol, o Guangzhou Evergrande. Para abrigar seus jogos, ele está construindo um estádio em forma de flor de lótus, com um orçamento de US$ 1,7 bilhão, além de ter gasto US$ 185 milhões para desenvolver o que deve ser a escola de futebol mais cara do mundo.
Com tantas ambições e interesses, não surpreende que as contas a pagar grupo sejam imperiais. O Evergrande tem passivos totais de US$ 305 bilhões, e os credores estão cada vez mais convencidos da incapacidade de esses compromissos serem honrados. Essa convicção ganhou força nos últimos dias.
Ainda nesta semana o grupo precisa honrar o pagamento de um bônus, e há muita incerteza se esse pagamento será feito. Uma agência de classificação de risco chinesa rebaixou o “rating” do Evergrande de AA para A, e colocou essa nota em revisão para possível rebaixamento.
Como não poderia deixar de ser, as ações despencaram. As cotações encerraram a terça-feira (21) a 2,27 dólares de Hong Kong, ou 1,54 real. No entanto, na segunda-feira (20) a baixa havia sido de 10,2%, derrubando cotações de outras empresas do setor de construção civil chinesas. E a queda nos últimos 12 meses foi de cabalísticos 88,8%.
As consequências de uma falência, calote, ou reestruturação forçada da dívida da Evergrande serão drásticas. Um dos grandes riscos não-calculados da economia chinesa é o endividamento das empresas. Os números não são transparentes. Assim, há uma grande incerteza sobre quanto as empresas devem a quais bancos.
Quando os problemas se tornaram mais evidentes nos últimos dias, a imprensa não demorou a comparar a Evergrande com o banco de investimentos Lehman Brothers. Excessivamente alavancado e incapaz de honrar seus compromissos, o banco sofreu uma intervenção desastrada das autoridades americanas em setembro de 2008, que provocou uma avalanche de prejuízos no sistema financeiro internacional.
No entanto, as situações são diferentes.
O Lehman Brothers era da primeira divisão das finanças internacionais e tinha como contrapartes todos os bancos minimamente relevantes do mundo. A Evergrande é uma incorporadora cujas atividades estão restritas à China e que não tem operações cruzadas com os bancos. E apesar das reiteradas declarações de líderes do PCC (Partido Comunista Chinês), de que será difícil haver socorro estatal para a empresa, as coisas não são tão simples.
O desenvolvimento imobiliário representa cerca de 25% da economia chinesa. Boa parte da população de quase 1,4 bilhão de pessoas ainda reside na zona rural, e há uma demanda elevada e secular por habitações urbanas (temos sempre de lembrar que tudo na China é grande).
Uma desaceleração nesse setor pode dificultar a recuperação da economia chinesa, algo que o governo não quer nem pensar. O PCC é único e autocrático. Porém, ele justifica a manutenção do poder apresentando as credenciais do crescimento econômico.
As consequências não se restringiriam às fronteiras chinesas. Um calote pode afetar a demanda por insumos básicos. No caso brasileiro, a empresa mais prejudicada seria a mineradora Vale (VALE3), que tem no setor siderúrgico chinês o principal cliente para seu minério de ferro. Não por acaso, as ações da mineradora caíram 3,3% na segunda-feira e fecharam a R$ 83,31, menor cotação desde dezembro de 2020.
É hora de comprar Vale?
Como sempre, não existe uma única resposta. A Vale está em uma fase diferente do passado, com todos os investimentos pesados e necessários já tendo sido realizados em grande parte. Isso reduz muito os investimentos a serem aportados na operação.
O segundo ponto é que, com o aumento de produção contratado e projetado, a companhia será capaz de produzir minério de ferro com custo caixa marginalmente abaixo do atual, que já é a menor do mundo na produção por tonelada de minério.
A combinação desses dois fatores, aliada a um volume de produção/vendas maior, fará com que a companhia continue sendo uma excelente geradora de caixa livre de maneira estrutural.
Investir ou não em Vale dependerá da estratégia de cada investidor. Neste ano de 2021, a companhia vai distribuir em proventos diretos e indiretos, um retorno médio de quase 20%, um montante recorde e de longe o melhor Dividend Yield da bolsa.
Para os próximos anos, a companhia continuará a gerar um caixa em ritmo forte e distribuindo bons dividendos para seus acionistas.
Por outro lado, para uma estratégia de ganho de capital, o cenário pode ser de pessimismo total com a tese da Vale, dada a sensibilidade muito grande do preço de suas ações com as cotações do minério de ferro, com as quedas recentes em linha e bastante condizentes com o derretimento do minério de ferro, como consequência dos problemas na China.
E Eu Com Isso?
Os contratos futuros de Ibovespa e do índice americano S&P 500 iniciam a terça-feira em alta, recuperando-se parcialmente da baixa da véspera.
Os investidores estarão refazendo as contas sobre o impacto potencial dos problemas da Evergrande e no aguardo das decisões do Copom (Comitê de Política Monetária) e do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, prevista para serem divulgadas na quarta-feira (22).
As notícias são positivas para a bolsa.
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