Ao afirmar que o termo “transitória” deixou de se aplicar à inflação americana, Jerome Powell, presidente do Fed, provocou um terremoto no mercado
Além da turbulência provocada pela incerteza com a variante Ômicron do coronavírus, a semana foi marcada pelos depoimentos de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, no Congress dos Estados Unidos. Na terça-feira (30) ele falou diante do Comitê de Assuntos Financeiros, Habitação e Urbanismo do Senado, e na quarta-feira (01) foi a vez do Comitê de Serviços Financeiros da Câmara dos Deputados.
A reação dos mercados às suas declarações mostra como uma palavra pode fazer uma diferença enorme. Powell falou. Todos — políticos, investidores e profissionais do mercado — ouviram. E a reação foi violenta devido a uma única palavra: “Transitória”. Em sua segunda apresentação, Powell afirmou que “talvez seja apropriado” retirar a palavra “transitório” dos textos do Fed que tratam de inflação. Na véspera ele já havia afirmado que a retirada das medidas de estímulo pode ser acelerada ainda neste mês.
Desde o início da pandemia, o Fed vem pisando fundo no acelerador para contrabalançar os freios econômicos impostos pela Covid. Por meio de compras mensais de títulos públicos e hipotecários, ele injetou mais de 4,5 trilhões de dólares na economia americana. Com isso, o balanço do Fed aumentou para 8,7 trilhões de dólares, um valor recorde.
Essa desmesurada expansão monetária levou a inflação americana para os níveis mais altos em 31 anos. Claro, é preciso relativizar essa informação. O Consumer Price Index (CPI) de outubro indicou inflação acumulada em 12 meses de 6,2 por cento, a mais elevada desde novembro de 1990. Só isso deveria levar o Fed a apertar a política monetária.
No entanto, o índice que o Fed acompanha mais de perto, o Personal Consumption Expenditure (PCE), cuja base de comparação é mais ampla que a do CPI, registra inflação menos intensa. No acumulado de 12 meses o PCE amplo registrou uma inflação de 5,0 por cento e o core index, que exclui os preços mais voláteis de combustíveis e de alimentos, subiu 4,1 por cento. É um percentual alto para os padrões americanos, mas inferior ao pico de três décadas do CPI.
Acabou a paciência
Nas últimas reuniões do Federal Open Market Committee (Fomc), o Copom americano, as declarações foram de que isso é um fenômeno transitório, provocado tanto pela expansão monetária quanto por algumas distorções pontuais no mercado de petróleo e nos preços de alguns insumos. Ou seja, o Fed havia prometido ser tolerante com a inflação. No início da semana, porém, Powell avisou que o significado dessa palavra havia mudado.
Em vez de ser algo que dura pouco, para o Fed, transitório é o que não provoca distorções duradouras na economia. E ele disse o que todos prefeririam não ouvir. “A palavra transitória deixou de ser adequada para descrever o que ocorre com a inflação.” Tradução: em vez de uma abordagem gradual, o Fed vai endurecer o jogo já na última reunião deste ano, marcada para os dias 14 e 15 de dezembro.
No mês passado haviam sido definidas medidas de ajuste que reduziriam em 15 bilhões de dólares por mês as compras mensais de títulos públicos e hipotecário, que eram de 120 bilhões de dólares. Após os depoimentos no Congresso, as contas mudaram e já há estimativas de que a redução pode passar a ser de 30 bilhões de dólares por mês ainda este ano, o que encerraria o programa de compras no primeiro trimestre. A previsão anterior era que o programa se encerrasse em junho do ano que vem.
Por que esses três meses fazem tanta diferença? Por um motivo simples: apesar de não haver nenhuma comunicação oficial por parte do Fed, é consenso nessa entidade chamada mercado que, assim que o programa estiver encerrado, o Fed terá liberdade para começar a elevar os juros.
Desde o início da pandemia as taxas americanas vêm sendo mantidas na prática em zero, o que provocou fortes elevações nos preços dos ativos financeiros e das commodities e justificou uma alta dos índices de inflação para os maiores níveis em 30 anos. Além dos preços dos bens e serviços, ativos financeiros, ações, commodities e criptomoedas viram seus preços disparar nos últimos sete trimestres. A maneira de conter essa onda de valorizações é apertar a política monetária, tanto por meio da elevação dos juros referenciais quanto pela redução da oferta de dinheiro na economia.
Porém, os efeitos colaterais desse tratamento são bem conhecidos. O crédito fica mais caro e escasso, as pessoas têm menos dinheiro para gastar e as empresas faturam menos vendendo produtos e prestando serviços. Ou seja, os lucros tendem a emagrecer e os investidores vendem ações devido à piora das expectativas.
Alavancagem das empresas
Em circunstâncias normais, quanto maior o prazo, maior o rendimento pago ao investidor e mais elevadas as taxas cobradas do tomador. O nome formal dessa variação provocada pelo tempo é “curva a termo da taxa de juros”. Com dinheiro em excesso, essa curva se achata e não há muita diferença entre o curto e o longo prazo. Quando a distorção deixa de existir, a curva se ajusta depressa. O impacto disso é negativo tanto para empresas quanto investidores. No caso das companhias, uma alta súbita do custo do dinheiro de longo prazo pode dificultar ou encarecer a rolagem de dívidas, em especial as de longo prazo.
Com as taxas permanecendo tão baixas durante tanto tempo, muitas empresas aproveitaram para se alavancar. Não há aqui nenhum absurdo. Faz sentido captar dinheiro barato para investir na produção. Já o dinheiro mais caro pode tornar essas estratégias inviáveis. No caso do investidor, as altas recordes de ações e demais ativos, que sustentaram um efeito riqueza durante a pandemia, podem dar lugar a um período de baixa prolongada dos mercados, distribuindo prejuízos. Ainda será preciso ver qual a estratégia do Fed, que será definida na reunião a ser realizada em meados deste mês. Até lá, a avaliação é de muita incerteza e insegurança nos mercados.
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Abraços,
Equipe Levante