Apesar do nome, um banco central não é exatamente um banco. Na definição do livro texto, bancos são intermediadores financeiros, que captam recursos das famílias com excedentes e os emprestam para empresas ou para famílias que querem se alavancar.
Apesar de funcionar como um “emprestador de última instância”, o banco central tem uma tarefa mais importante, que é a de definir a temperatura da economia calibrando a taxa de juros.
Ou seja, tornar o dinheiro mais caro e escasso em momentos de superaquecimento, e mais barato e farto nos momentos de atividade econômica anêmica.
Essa tarefa, porém, vai além da gestão dos juros. Também passa pela gestão das expectativas, tão relevantes quanto os percentuais da taxa Selic e as regras do depósito compulsório. E, nesse aspecto, o BC (Banco Central) tem deixado a desejar na gestão das expectativas.
Peço um pouco de paciência, porque é importante recapitular o que ocorreu nos últimos meses. Na 238ª reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), em 4 e 5 de maio, a decisão foi elevar a Selic em 0,75 ponto percentual para 3,50% ao ano e antecipar um aumento da mesma magnitude na reunião 239, marcada para meados de junho. Isso se confirmou e a Selic subiu para 4,25 por cento. Até então, o BC disse o que iria fazer e fez o que disse. Sem problemas até aqui.
No entanto, na Ata da reunião de nº 239 o BC prometeu uma alta de 0,75 ponto percentual na reunião seguinte, agendada para agosto.
No meio do caminho começou a discussão sobre a PEC dos Precatórios, que piorou bem as expectativas e provocou solavancos na curva futura de juros.
Assim, na reunião de agosto, o BC descumpriu o prometido. Em vez da alta de 0,75 ponto percentual, ele elevou os juros em um ponto percentual, para 5,25% e disse que faria o mesmo na reunião de setembro. Dito e feito: na 241ª reunião a Selic foi para 6,25%.
Calma que está acabando. Na reunião mais recente o BC mais uma vez não se alinhou às expectativas e elevou os juros em 1,5 ponto percentual, antecipando outro aumento da mesma magnitude na última reunião do ano, agendada para os dias 7 e 8 de dezembro.
Com isso, a intenção do BC foi ancorar as expectativas, se não em 2021, por impraticável, ao menos em 2022, tarefa ainda assim de difícil execução.
No entanto, os investidores foram surpreendidos pelas declarações de Bruno Serra, diretor de política monetária do BC (ou seja, o executivo cujo trabalho é calibrar os juros). Serra concedeu uma entrevista ao jornal japonês Nikkei Asia no dia 4 de novembro, e a reportagem foi publicada na segunda-feira (08). Nela, Serra admite que o BC pode elevar os juros em mais de 1,5 ponto percentual ainda neste ano. Ou seja, ele contradisse a Ata publicada no dia anterior.
Está lá, no 15º parágrafo: “O Comitê avaliou, inclusive, cenários com ritmos de ajuste maiores do que 1,50 ponto percentual. Prevaleceu, no entanto, a visão de que trajetórias de aperto da política monetária com passos de 1,50 ponto percentual, considerando taxas terminais diferentes, são consistentes, neste momento, com a convergência da inflação para a meta em 2022, mesmo considerando a atual assimetria no balanço de riscos.”
Serra é um diretor respeitado e está longe de ser inexperiente. Assim, se ele afirma que pode ser necessário endurecer a política monetária mais depressa do que o BC vem fazendo desde maio para tentar quebrar a espinha dorsal da inflação, é razoável supor que ele sabe do que está falando.
Porém, ao colocar esse assunto em pauta, Serra contradisse a Ata publicada na véspera, o que não ajuda na ancoragem das expectativas. E essa entidade conhecida como mercado reage automaticamente a qualquer enfraquecimento das âncoras.
E Eu Com Isso?
Os contratos futuros de Ibovespa iniciam a terça-feira com uma leve alta, seguindo o mercado americano.
As notícias são positivas para a bolsa.
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