Uma boa maneira de começar a conversa deste domingo é lembrar uma história de Alan Greenspan, que presidiu o Federal Reserve (Fed), o banco central americano entre 1987 e 2006. Um dia, um jornalista perguntou se ele estava de bom humor. “Não posso compartilhar essa informação com você”, respondeu Greenspan, bem-humorado. Foi uma piada – mas só em parte.
Banqueiros centrais têm diversos perfis. Servidores públicos de carreira ou expoentes das finanças. Podem ser mais ou menos políticos e mais ou menos próximos das lideranças política. No entanto, todos possuem uma característica comum. Por dever de ofício, precisam ser extremamente cautelosos com o que dizem. Sabem que cada palavra, oficial ou nem tanto, pode ter consequências drásticas sobre os preços dos ativos financeiros. Por isso, quando as declarações de qualquer banqueiro central se tornam um pouco menos entediantes, é hora de prestar atenção.
Foi o que ocorreu na semana que se encerrou, e por duas vezes. Na quarta-feira (28), Jerome Powell, atual presidente do Fed, comentou como de costume a reunião do Federal Open Market Committee (Fomc), o Copom americano. As decisões do Fed não surpreenderam ninguém. Como era esperado, as taxas de juros nos Estados Unidos permaneceram inalteradas entre zero e 0,25 por cento ao ano.
Divergências no FED
Porém, houve algo inesperado. Powell disse que ainda era cedo para decidir se o Fed iria ou não iniciar o “tapering”, processo de redução da compra mensal de 120 bilhões de dólares em títulos públicos e hipotecários pelo BC americano. Mais do que isso, ele disse que “há divisões” no Fed em relação ao momento ideal de interromper esse processo. E decepcionou quem esperava um sinal na tradicional conferência do Federal Reserve em Jackson Hole, no Wyoming, marcada para agosto. “Não está claro se será o caso de anunciar algo” no evento, disse ele.
Cabe aqui um esclarecimento. O Sistema da Reserva Federal americano divide-se em doze bancos regionais, cada um deles responsável por controlar as finanças de uma região americana. Os doze governadores regionais formam o Conselho do Fed e são os responsáveis pela formulação da política monetária. É diferente do Banco Central do Brasil. Por aqui, a abrangência é nacional e os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) são todos diretores do BC. É mais comum que haja debate e divergência no Fomc do que no nosso Copom.
A ata da reunião mais recente do Fomc, realizada em junho, mostrou que há discordâncias severas entre os governadores regionais do Fed. “Vários participantes mencionaram que esperavam que as condições para começar a reduzir o ritmo de compras de ativos fossem observadas um pouco mais cedo do que o previsto”, disse a ata. Outros participantes, no entanto, disseram que o Fed “deve ser paciente ao avaliar o progresso em direção a seus objetivos”.
A discórdia vai além da Ata. Vários governadores do Fed têm discordado em público. Por exemplo, Christopher Waller, de Saint Louis, disse que a redução das compras pode chegar antes do esperado. “Não sei se será neste ano, mas isso é algo que ainda temos de definir”, disse ele. Thomas Barkin, de Richmond, concorda. “Está claro para mim que fizemos muito progresso no caso da inflação, e se o mercado de trabalho se reaquecer, vamos chegar lá [na redução das compras] em um prazo relativamente curto.”. Porém, John Williams, o presidente do Fed de Nova York, disse que “estabelecemos claramente que queremos um progresso substancial (…) e claramente não conseguimos isso ainda”.
Sem consenso na Europa
Como se não bastasse, a incerteza também aumentou na Zona do Euro. Na manhã da terça-feira (27), Robert Holzmann, diretor do banco central da Áustria e um dos governadores do Banco Central Europeu (BCE) – que funciona como o Fed – criticou a manutenção de uma política monetária expansionista. No dia 22, o BCE havia informado que buscará uma postura “persistentemente acomodativa”. Em língua de seres humanos, isso significa que as taxas de juros europeias permanecerão em níveis baixos até que a inflação esteja em linha com a meta de 2 por cento.
Alguns diretores do BCE criticaram a manutenção desses estímulos por tanto tempo, o que mostra uma divisão na cúpula do BCE. “Esse pode ter sido um passo grande demais”, disse Holzmann, repetindo dois de seus colegas: Jens Weidmann, presidente do banco central da Alemanha e Pierre Wunsch, do BC da Bélgica.
Waller, Barkin, Williams, no Fed. Holzmann, Weidmann, Wunsch, no BCE. Não se incomode se você nunca ouviu falar dessas pessoas. Excetuando-se os economistas de bancos e os jornalistas que acompanham a área, nenhum desses nomes é familiar. Nem deveria ser. Banqueiros centrais são técnicos. Têm de trabalhar sem aparecer. Precisam ser discretos, pois lidam com a variável mais sensível da economia, que é o preço do dinheiro. Quando eles começam a discordar publicamente, isso indica uma indefinição estrutural na condução da política monetária. E os riscos são grandes.
Sem a condução dos BCs, os mercados perdem assertividade. O risco cresce, os prazos encurtam e os prêmios aumentam, com consequências negativas para a economia como um todo. Enquanto os banqueiros centrais não retornarem ao consenso, a probabilidade de momentos de turbulência nos mercados internacionais permanecerá elevada – com reflexos óbvios e negativos para o Brasil.
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